Passado, presente e futuro: sempre greve?
Ana Paula Ferreira
educadora e grevista
Onde a greve começa e onde ela termina? Ela termina? Ou termina para depois já começar outra? Como a greve nos atravessa? Ano de 1999. Esse foi meu último ano da Educação Básica e novamente uma greve foi deflagrada em Minas Gerais. Lembro da professora de Língua Portuguesa nos falando em aula com muita propriedade sobre gramática, literatura, vestibular e também da greve. Ela me chamava atenção por dois motivos. Primeiro porque ela tinha um pé calcado no futuro e outro no presente, e assim nos empurrava para que pensássemos na vida do pós-Ensino Médio, mas sem que nos distanciássemos da leitura crítica do cotidiano, da luta diária, dos ataques que eram cometidos contra os trabalhadores. O segundo ponto de destaque era porque ela se mostrava uma imensa defensora do espaço público. Ela frisava que fazia questão que seu filho estudasse no ensino público e que ela, docente em duas redes diferentes, buscava trazer o mesmo plano de aula elaborado para escola privada para ser desenvolvido por seus alunos da escola David Campista. Sua prática antecedia o discurso e, portanto, não media esforços para que visitássemos livrarias, teatros, Instituto Moreira Salles, cinema. Ela dizia que os espaços devem ser democratizados e o acesso deve ser para todos.
Hoje, ano de 2022, também sou educadora na rede pública, também estou em greve e também defendo o espaço público como forma de possibilitar que toda a riqueza simbólica produzida seja distribuída e não concentrada em apenas uma determinada classe social. Sei que muitos professores e professoras progressistas também se engajam nesse sentido, e até evitam a greve para que os estudantes não fiquem dias sem acesso ao conteúdo. Daí que volto na minha experiência escolar. A professora não se furtou de sua obrigação docente, de nos ensinar e nos ajudar na nossa formação linguística, literária, cidadã e de pensar em seus alunos. Por outro lado, também não abandonou seus colegas sozinhos no front da greve, nem se aconchegou no seu lar, enquanto outros iam para as ruas, assembleias ou manifestações.
Findada a greve, podemos traduzir novamente nossa preocupação com os estudantes, repondo com qualidade os dias paralisados, pois que espécie de defensores da escola pública que seríamos se defendêssemos apenas nossos salários, nossos direitos, nossas questões? É possível isso da nossa parte. Podemos continuar pensando no imediato, nos nossos estudantes e todas as suas demandas. Porém, é importante também uma preocupação com o médio e longo prazo, com questões que vão afetar a vida de todos, e, nesse momento, pensar sobre os serviços públicos é inadiável.
Isso porque esse ano é específico. Por ser ano de eleição, os políticos observam se perdem ou não o poder perante o eleitorado. Portanto, é importante que outras escolas somem na luta, pois vão olhar números: quantos alunos estão sem aula, quantos professores estão em greve, quanto de aprovação se está perdendo. Na hora que o perfil autoritário perde o controle, o que faz? Aciona a força judiciária para suspender a greve e começa a atacar o funcionalismo público, como se o fato de possuirmos a estabilidade, tivéssemos que aceitar metade do que é o piso salarial.
A educação não pede que o governo faça enormes esforços, até porque temos verba vinculada que é o Fundeb, um fundo que provê nosso pagamento e que teve um crescimento de quase 40% desde 2019. Contudo, mesmo que a receita tenha aumentado, o governo mantém a política de onerar milhares de servidores da educação, cujo salário não acompanha a inflação. Além disso, foram 6,6 bilhões de recursos da educação que não foram investidos, e enquanto isso, faz 5 anos que os salários estão congelados.
O governador é um patrão temporário. Não temos o salário dele, nem tampouco seu poder político, nem a influência na mídia. Mas, uma hora ele sairá e nós ficaremos. Aliás, talvez por saber dessa condição do funcionalismo público e de nosso potencial de contraponto, que o atual governo esteja pressionando a Assembleia pela aprovação do Regime de Recuperação Fiscal, que nada mais é do que um pacote de ações que nos massacram enquanto trabalhadores. Nesse Regime há previsão de suspender o repasse do piso salarial, não haverá férias-prêmio, nem promoção por escolaridade, nem progressão na carreira por 9 anos. Concursos e salários ficarão congelados. Essa brutal Regime afeta trabalhador público, mas impacta também todos moradores da zona rural ou da zona urbana, que dependem da escola, da saúde ou da segurança pública, pois os cidadãos terão que conviver com uma precarização dos serviços, seja pela falta de servidor público, afinal não haverá concurso e a folha de pagamento ficará contida, ou pelas privatizações previstas que acabam por aumentar o valor dos serviços.
A greve existia na nossa infância, existiu na nossa adolescência e permeia nossa vida adulta. Existe diante da ineficiência do governo em conversar com a categoria. Pode ser que tenhamos a ideia de que elas são eternas, tal como o castigo de Sísifo que empurrava uma grande rocha até o topo de um monte e assim que a pedra caí, o processo se inicia tudo novamente. Mas, não é. Embora sejam cíclicas, não são iguais, nem nos motivos, nem na historicidade e por isso que com elas já avançamos em direitos e em outras, apenas
barramos para que a devastação não fosse maior. Daí a importância de aprendermos com essas experiências, porque se defendemos a escola pública não permitir a aprovação do Regime de Recuperação Fiscal é um dos caminhos urgentes.