O preço do amanhã
Quando assisti ao filme que dá nome a esse texto, considerei a sacada do roteiro muito perspicaz, apesar de ser uma produção que nem sempre segura a emoção do telespectador. A história se passa num futuro distópico em que os cidadãos após o 25º aniversário não envelhecem e o tempo serve como moeda de troca. Cada pessoa tem um marcador de anos, dias e horas grudado na pele para identificar quanto que há para gastarem ou pouparem de tempo e isso que lhes fornece uma previsão se estão próximos da morte ou não. A cada trabalho realizado há uma recompensa em tempo e a cada produto ou serviço adquirido, há o desconto. Assim, à medida que o salário diminui ou a inflação sobe, mais as pessoas na ânsia de não morrerem, compram mais créditos de tempo, sob altas taxas de juros. Algumas, não conseguem a mesma sorte e chegam a morrer ainda jovens. Inversamente proporcional, enquanto isso ocorre, grupos privilegiados de milionários, conseguem ganhar com todo esse acúmulo de tempo produzido e possuem uma eternidade. Muitos paralelos são possíveis entre essa sinopse e a questão do trabalhador de países periféricos como o Brasil, principalmente após ataques sistemáticos por aqueles que planejaram o Golpe de 2016. Dois abalos sísmicos profundos em nossos tempos de vida foram a aprovação da Reforma Trabalhista e da Previdência, que abriram brechas para as terceirizações e para precarizações. Exemplifico. Um vendedor que contava com o salário mais os bônus por venda, agora é possível que ganhe apenas por produtividade e o valor estabelecido entre trabalhador e empresa vale mais do que constava na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Em se tratando da Previdência é o retardo do tempo em se aposentar e com salários que podem a não chegar a 100% da contribuição, haja vista que o cálculo incide pelo total de tempo de contribuição.
É a lógica da produtividade sendo imposta de maneira cruel: não importa se você está doente, se há problemas de ordem emocional ou social, se você não produzir, é uma mercadoria altamente dispensável. Não importa se não tem mais forças suficientes para o trabalho, você deve ter 35 anos de contribuição para se aposentar com o valor integral. Se formos comparar em termos metafóricos com o filme, ao não produzir você está fadado a morte prematura, pois sem renda, não terá recursos para custear sua subsistência mais elementar. Por outro lado, para sobreviver você precisará trabalhar bem mais, ter menos tempo para sua saúde física e mental, possuir menos tempo para lazer ou para a família e tudo isso também impactará no seu tempo de vida. Não é sem razão que a classe social privilegiada tem o desfrute duplo do tempo: primeiro porque há mais chance do tempo livre e segundo porque o padrão de vida é tão elevado, de alimentos ou de serviços com saúde, que isso prorroga as possibilidades de acumulo de anos de vida.
Em termos de trabalhador público estamos vivendo o mesmo impacto de precarização, independentemente de ser governo federal, estadual ou municipal e todos os demais que se intitulam “técnicos”, jeito suavizado para dizer “neoliberal”. Sob a semântica empresarial, falam de austeridade, de poupar para pagar dívidas e isso às custas do tempo e do trabalho exaustivo do servidor. No caso do governo estadual observa-se uma perversidade ainda maior em se tratando dos trabalhadores da educação. Isso porque os trabalhadores estão a 5 anos sem receber nem ao menos o reajuste inflacionário, o que os empurra para a necessidade de trabalhar dois ou três períodos para minimamente pagarem suas dívidas, o que impacta de maneira descomunal no desempenho e na qualidade de vida. Ironicamente há uma verba própria para pagamento do servidor em educação que é o FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento Educação Básica), ou a obrigatoriedade de se gastar 25% dos orçamentos com Educação, valores esses que não estão sendo aplicados na sua totalidade. Bem… até aqui a história é similar a vivência de todos que possuem seus salários subtraídos por governos que não pagam o que deveriam, mesmo havendo verbas específicas para isso.
A crueldade vai além do não pagamento. Lembrando que um dos impostos do FUNDEB é o IPVA, esse fundo pode ter queda na arrecadação, pois o governador já sinalizou uma isenção para o grupo Localiza e outras empresas de locação de carro, numa redução de 4% para 1%. Ao fazer essa isenção, o valor arrecadado para o FUNDEB diminuí e consequentemente pode diminuir o montante para se pagar os professores.
É assim que funciona a lógica neoliberal, de escolhas “técnicas”, a favor da manutenção da vida econômica de empresas, de bilionários que ganham com a riqueza que poderia ser devidamente distribuída aos trabalhadores. Enquanto isso, somos sacados não apenas do dinheiro, de um piso salarial garantido por lei (lei nacional de 2008 e estadual de 2015), como também estamos pagando o valor do hoje, do arroz, do óleo e do combustível, e sem termos a previsão se de fato estaremos em condições dignas de aproveitar o preço do amanhã.
Ana Paula Ferreira
Educadora e grevista