ADÉLIA PRADO, CORA CORALINA E ELIAS JOSÉ – A literatura fora dos grandes centros
HUGO PONTES
Professor, poeta e jornalista
Começo falando de duas escritoras: Adélia Prado e Cora Coralina e um escritor, Elias José.
Adélia Prado, poeta mineira de Divinópolis, Minas Gerais, era uma poeta em busca de um lugar no contexto literário mineiro. Alcançou um lugar na Literatura Brasileira contemporânea, pois buscou esse objetivo com muita tenacidade.
Ela deve isso a seu amigo, também escritor, Lázaro Barreto que levou um volume de poemas, numa viagem que fez ao Rio de Janeiro para visitar e conhecer Carlos Drummond de Andrade que, por sua vez, passou o material para o professor e escritor Affonso Romano de Sant’Anna. Romano devolveu a Drummond elogiando a escritora. Drummond, por sua vez, publicou uma crônica no Jornal do Brasil, em 9 de outubro de 1975, tecendo-lhe elogios.
Um poema inédito, de julho/1973, escrito por Adélia e publicado no Suplemento LiterARTE nº 7, que eu editava para a Gazeta de Minas, da cidade de Oliveira-MG. Detalhe, guardo o original, escrito à mão, pela poeta.
A Catecúmena
Adélia Prado
Se o que está prometido
É a carne incorruptível
É isso mesmo que eu quero.
Mais o sol numa tarde com tanajuras,
o vestido amarelo com desenhos
semelhando urubus,
um par de asas em maio
É imprescindível
multiplicado ao infinito,
o momento em que palavra alguma
serviu à perturbação do amor;
assim quero venha a nós o vosso reino;
os doutores da lei,
estranhados de fé tão ávida
Disseram delicadamente:
“Vamos olhar a possibilidade
de uma nova exegese deste texto.”
Assim fizeram.
Ela foi admitida
com reservas.
Cora Coralina, a partir do momento em que descobriu seu “amor pelas letras”, teve o mundo mudado para fora do mundo familiar em que vivia. Extrapolou os paredões e serras e o Rio Vermelho que passa na porta da sua casa na cidade de Goiás Velho.
Seu primeiro e mais importante livro “Os Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, publicado em 1965 foi reeditado em 1978. Conheci Cora Coralina numa viagem que fiz a Goiás em 1984. Pude vê-la em sua casa, mas sem me aproximar, pois estava muito doente – com pneumonia – em uma cama e o risco de contato com as pessoas poderia agravar a sua doença.
Um poema do seu primeiro livro:
Becos de Goiás
Becos da minha terra…
Amo tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu olhar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.
E vocês hão de me perguntar. O que tem as duas em comum?
Ambas interioranas e receberam o aval do Drummond.
O terceiro autor é Elias José, natural de Guaranésia, e criado em Guaxupé. Iniciou sua atividade literária muito cedo. No início dos anos de 1970 publicou seus primeiros contos no SLMG, cujo idealizador e fundador foi o contista Murilo Rubião que a partir dos anos de 1960 apadrinhou todos os escritores mineiros que à época passaram a ser convidados pelas editoras e agentes literários querendo publicar os seus livros.
Um velho amigo, Wilson Castelo Branco, secretário do Suplemento Literário do Minas Gerais, me disse certa vez: “Escritor que deseja aparecer tem que mudar para o Rio de Janeiro. Lançar seu livro lá, pois o Rio é a capital cultural do Brasil.”
Isso colocado, vamos à realidade. O que é ser um escritor fora dos grandes centros?
Na maioria das vezes é aquele que escreve e guarda tudo na gaveta. Depois não vendo utilidade para o amontoado de folhas, junta tudo e faz uma fogueira.
Há, com raras exceções, alguns mais ousados. Enviam o seu material para alguma editora que não dá o menor retorno.
E existem aqueles que – como muitos de nós – enviam os originais para uma gráfica, pedem um orçamento e acabam por publicar o seu trabalho quer com a ajuda de amigos ou através de alguma lei de incentivo (sem patrocínio nos tempos atuais). Ao cabo da edição, promovem um lançamento reunindo amigos, familiares e simpatizantes. Isso ajuda a amenizar o custo da edição que, na maioria das vezes, não chega aos 1.000 exemplares.
E que destino terá essa edição? Será depois vendida de mão em mão e distribuída nas bibliotecas públicas e escolares?
Certamente a prefeitura vai querer que o autor envie como cortesia.
De qualquer maneira o seu livro será a sua certidão de nascimento como escritor municipal.
Mas suponhamos que queira ser um escritor estadual? Como fazer? Envia um exemplar do seu livro para o caderno de cultura dos jornais da capital.
Com muita sorte alguém pode ver o livro no meio de uma pilha de outros e resolve fazer uma crítica.
Assim começa uma nova etapa.
Você procura uma distribuidora de livros. Leva um exemplar e o recorte do comentário publicado no jornal.
Ali você pode ser recebido ou não.
Se for, a primeira coisa que perguntarão é:
– De que editora você é?
– Não tenho editora.
– Ah então é um escritor independente.
– Sim, editei o livro por minha conta.
– Nós não trabalhamos com escritores independentes, mas se quiser “correr o risco” nós cobramos 65% para distribuir; a livraria cobra 30% e depois é só aguardar o resultado. Isso se vender!
Se o livro custar 30 reais, a distribuidora ficará com 19,50; a livraria com 9,00 e você com 1,50. Sem levar em conta que você poderá correr o risco de pagar imposto de renda.
Caso não apareça um Drummond na sua vida, contente-se em ser um escritor municipal, como a grande maioria é.
Certamente terá sempre o reconhecimento dos seus amigos e conterrâneos.
É assim no Brasil. Terra onde educação e cultura passam longe das prioridades do governo.
Com um pouco de trabalho, mas mantendo as raízes, poderemos encontrar algum escritor que tenha alcançado certa visibilidade nacional como é o caso do escritor Elias José.
Hoje inúmeras são as páginas e Blogs que divulgam o poema, o romance, o conto. A Literatura, assim como as demais artes, não tem fronteiras. Mas o livro ainda é fundamental como registro.