Corpos livres e vivos!
Nasci e cresci nas Alterosas, em Poços de Caldas, com tudo de bom e de ruim que isso possa significar. Minha infância e adolescência foram intensas e tive contato com muitas pessoas, de diferentes classes sociais, diferentes histórias, diferentes visões de mundo. Obviamente, parte da minha história foi construída com a história das pessoas que viviam em Poços de Caldas entre os anos de 1976 e 1993, quando me mudei, sem perder o contato com a cidade, que ainda abriga grande parte da minha família, colegas, amigas e amigos. Entre as pessoas que conheci na adolescência, estava a Alessandra Vaz, irmã da Andresa Vaz. Frequentávamos os mesmos pontos de encontro da época: Tio Darci, Carinhoso, Café do Ponto, BA, Festa dos Anos 60, Festa das Bruxas, Bar do Gigi, Chopinho, e tantos outros lugares que iam surgindo, levando um bando de adolescentes e jovens adultos a ir de um ponto para outro. Trocávamos os lugares, mas não as pessoas. Às vezes um grupinho ficava mais aqui e outro mais ali, às vezes misturando gente pobre e gente rica, às vezes não. Lembro de um grupo de pessoas, um pouco mais velhas do que eu, formado por irmãs e irmãos da galera da minha idade. Obviamente o grupo das pessoas “mais velhas” era uma referência para o grupo das mais novas. E lembro muito claramente da Alessandra, sempre muito sorridente e alegre, uma das poucas que me cumprimentava e que tinha vários amigos gays. Lembro de ficar observando o grupo e, hoje, entendo que me geravam fascínio.
O que era fascinante naquele grupo ao qual Alessandra pertencia era a liberdade que exibiam e praticavam! Nunca tive contato próximo com o grupo, ou com Alessandra, mas fico imaginando que a liberdade que emanava do grupo levou-a a buscar outros ares, outras bandas, outros lugares, como muitas de nós fizemos. Era artista plástica. Artista! Claro! Liberdade e arte são inseparáveis! Liberdade de criar, de fazer, de buscar, de falar, de ser, de estar! Liberdade…
Por que tal liberdade causa tanta raiva? Por que mulheres livres são hostilizadas, julgadas, classificadas pejorativamente pela sociedade? Por que tantas mulheres são violentadas e assassinadas diariamente?
Porque mulheres livres ameaçam a sociedade patriarcal. A liberdade abala a estrutura de poder e dominação que vigora em nossa sociedade. Nossa sociedade é machista, homofóbica e racista! Nossa sociedade é violenta! Os números (crescentes) revelam quem são as pessoas que mais morrem vítimas de violência: mulheres, pretas e pretos, gays, transexuais, pobres. O assassino de Alessandra e Daniela não é apenas a representação do mal em si. Ele é também resultado de uma sociedade que normaliza a violência contra as mulheres e que aceita que ele diga que “perdeu a cabeça”. A perversidade é de tal ordem que ele escolheu (sim, escolheu! Não foi acaso) que morressem como muitas mulheres livres morreram durante a Inquisição!
Será que a concretude do feminicídio da Alessandra e sua amiga Daniela fará com que poços-caldenses enxerguem as consequências de se incitar a violência? Será que Poços de Caldas se insurgirá contra qualquer tipo de violência de gênero, raça ou classe? Será que as pessoas conseguirão estabelecer relações entre a barbárie ocorrida, as políticas públicas e as declarações de políticos? Vamos nos rebelar ou ficaremos assistindo às fogueiras queimando nossos corpos livres?Michele Schultz é professora e doutora – Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo
Por que tal liberdade causa tanta raiva? Por que mulheres livres são hostilizadas, julgadas, classificadas pejorativamente pela sociedade? Por que tantas mulheres são violentadas e assassinadas diariamente?
Porque mulheres livres ameaçam a sociedade patriarcal. A liberdade abala a estrutura de poder e dominação que vigora em nossa sociedade. Nossa sociedade é machista, homofóbica e racista! Nossa sociedade é violenta! Os números (crescentes) revelam quem são as pessoas que mais morrem vítimas de violência: mulheres, pretas e pretos, gays, transexuais, pobres. O assassino de Alessandra e Daniela não é apenas a representação do mal em si. Ele é também resultado de uma sociedade que normaliza a violência contra as mulheres e que aceita que ele diga que “perdeu a cabeça”. A perversidade é de tal ordem que ele escolheu (sim, escolheu! Não foi acaso) que morressem como muitas mulheres livres morreram durante a Inquisição!
Será que a concretude do feminicídio da Alessandra e sua amiga Daniela fará com que poços-caldenses enxerguem as consequências de se incitar a violência? Será que Poços de Caldas se insurgirá contra qualquer tipo de violência de gênero, raça ou classe? Será que as pessoas conseguirão estabelecer relações entre a barbárie ocorrida, as políticas públicas e as declarações de políticos? Vamos nos rebelar ou ficaremos assistindo às fogueiras queimando nossos corpos livres?Michele Schultz é professora e doutora – Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo