TRANSPORTE PÚBLICO COMO DIREITO

Tiago Mafra

Texto base da
audiência pública sobre a tarifa zero ocorrida na Câmara Municipal de Poços de Caldas em 30/10/2024.

O tema do transporte público coletivo é central em Poços de Caldas, para o desenvolvimento da cidade e melhoria da qualidade de vida da população. O assunto está há pelo menos 20 anos sendo pauta constante em nosso município. Rememoro o dia 15/12/2005, quando houve uma grande manifestação com fechamento de vias para chamar atenção da população para a situação do contrato com a prestadora de serviços, a concessionária da época, sobre qualidade do serviços ofertado e valores cobrados, já então, onerosos para a população.
Ano a ano, as manifestações que questionavam o valor da tarifa foram se acirrando, criando um acúmulo de informações, de estudos que colocaram o foco na parca fiscalização do serviço por parte da prefeitura, a “autorregulação” da empresa quanto o acompanhamento de dados que subsidiavam os aumentos anuais e correções na tarifa, além da observação do IPK, índice de passageiro por quilômetro, usado como referência à época nas requisições de aumento do preço da passagem por parte da empresa para a então comissão tarifária que analisava os pedidos.
Muito se falava sobre “abrir concorrência”. Os militantes e pessoas que acompanhavam, estudavam e foram se aprofundando na situação de Poços de Caldas em relação ao transporte coletivo, perceberam que nosso problema à época, era a fiscalização, o controle da construção e verificação quanto aos dados de IPK (verificação de dados coletados) e não a concorrência, pois se duas ou mais empresas operassem em uma cidade de porte médio como Poços de Caldas, sem acompanhamento do Poder Público, o poder concedente do serviço, a dinâmica seria a mesma e o preços provavelmente similares ou tabelados.
Assim, a tarifa foi tornando-se uma das mais caras do interior e do país, considerados perfil e porte da cidade. Nos movimentos de 2013, na onda das manifestações nacionais pela melhoria de serviços públicos e redução das tarifas de transporte público, em Poços houve a redução de 0,20 centavos na tarifa, mas não às custas de melhor acompanhamento do serviço prestado e fiscalização por parte da prefeitura, mas do município abrindo mão de receita ao reduzir 60% do ISSQN cobrado da empresa, na mudança do código tributário.
Recorrentes também se tornaram as justificativas das empresas prestadoras, a anterior e a atual, registre-se, da mesma família, de jogar sobre as gratuidades o peso do aumento da tarifa e da necessidade de manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, conforme previsões contratuais.
A pandemia foi o pretexto para a redução de linhas, horários, funcionários e qualidade. Elementos que não retornaram aos números anteriores ao período da doença e precarizaram ainda mais a situação do transporte público na cidade.
Ao mesmo tempo, o perfil de deslocamento das pessoas através de veículos individuais, transporte alternativo, advento dos aplicativos e opções ao preço altíssimo da tarifa, acrescido da baixa disponibilidade de horários, fizeram com que o transporte coletivo fosse e seja alternativa daqueles que não têm condições de se deslocar pela cidade de outra forma que não os ônibus. Ou seja, os que mais precisam, são os que mais são penalizados e que não consegue outros meios de se deslocar pela cidade. São exatamente essas pessoas as que mais caro pagam por um serviço que não atende plenamente às demandas da sociedade.
O Poder Público não age como o poder concedente, que é o titular, dono do serviço e a empresa atual age conforme lhe convém, no estabelecimento de rotas, horários e quantidade de trabalhadores empregados (outro elemento marcante, com a eliminação dos cobradores, digitalização de parte das cobranças e sobrecarga dos motoristas).
Mesmo com a troca de empresa e a entrada em operação em 2022 após celebração de novo contrato, o modo de operação e a dinâmica de funcionamento não se alteraram. As reclamações da empresa são as mesmas, de que o serviço é insustentável, de que é necessário subsídio e de que as gratuidades sobrecarregam os serviços; ao mesmo tempo a população tem cada vez menos horários disponíveis, com qualidade questionável e preço altíssimo.
Esse cenário gera um afastamento cada vez maior do uso do transporte público pela população, cria um círculo vicioso que é usado como argumento para constantes correções de tarifa e manutenção do equilíbrio econômico do contrato, sendo que na verdade a forma como o serviço está articulado, em funcionamento e não fiscalizado, é a própria raiz desse círculo, que se mantido como está, caminhará para falência.
A saída, é a adoção da tarifa zero, seja de forma conservadora e gradativa, seja de forma mais radical. Um modelo de maior previsibilidade e instalação gradativa, pressupõe subsídios, adoção gradativa de meio passe, tarifas sociais, até o alcance geral da liberação dos ônibus; um modelo que ataque diretamente o problema, passaria primeiramente pela encampação dos serviços e posteriormente pela Prefeitura assumindo em definitivo o controle do serviço, via autarquia municipal própria ou empresa pública.
Já que o financiamento será público na adoção da tarifa zero, seja por subsídio ou custeio total, que o seja sem intermediários.
A efetivação de tais propostas é viável, é exequível, já ocorre em diversos municípios pelo país. Muitos são inclusive municípios com menos de 50 mil habitantes; outros têm o mesmo porte de Poços de Caldas, como Maricá (RJ) com 197 mil; • Ibirité (MG) 170 mil; • São Caetano do Sul (SP) 165 mil.
Os benefícios e a necessidade são inquestionáveis: 1) Inclusão e mobilidade: acesso à cidade, redução da desigualdade; elimina o peso financeiro da tarifa na renda das famílias; 2) redução dos congestionamentos, fomento ao coletivo sobre o individual, redução de uso de veículos particulares, redução da poluição; 3) Aumento do poder de compra e fomento do comércio e serviços locais; 4) Melhora a saúde pública com a redução de emissão e exposição aos poluentes advindos dos motores combustíveis; 5) aumenta a eficiência, com a eliminação das cobrança e aumenta a previsibilidade e planejamento, focando em rotas e horários que sejam a demanda da população.
Essa política tem potencial de transformação da cidade positivamente, com grande alcance e efeitos em múltiplos setores da economia, além de ser garantidora de acesso aos demais direitos de acesso à cidade e demais serviços públicos.
O cálculo aproximado feito a partir da isenção de tarifa do dia das eleições em 2022, projeta um investimento anual para implementação da tarifa zero imediata, de cerca de 50 milhões/ano. Num orçamento estimado para 2025 de mais de 1.8 bilhão de reais, representa menos de 3% do montante total.
Em 2025 é necessário a apresentação do PPA para o próximo período para que essa política se estabeleça como política contínua em nosso município. Precisamos de planejamento, vontade política e princípios públicos. é preciso coragem para assumir e realizar essa política central para o desenvolvimento do município e a garantia da qualidade de vida dos poçoscaldenses.

Tiago Mafra é professor de geografia na Prefeitura de Poços de Caldas desde 2009, Secretário Geral do Partido dos Trabalhadores e Vereador eleito pelo PT.

 

 

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