“Curry mineiro”: construção de conhecimento e sabores
“Qual é o lugar mais importante da sua casa? Eu acho que essa é uma boa pergunta para início de uma sessão de psicanálise. Porque quando a gente revela qual é o lugar mais importante da casa, a gente revela também o lugar preferido da alma. Nas Minas Gerais onde nasci o lugar mais importante era a cozinha.” Esse é um trecho de um texto do escritor Rubem Alves, mas muito provavelmente, poderia ser de muitos mineiros. Isso porque quem conhece Minas Gerais não se esquece e a culinária é peça fundamental nesse processo. Conhecida no mundo todo, ela tem origem em ingredientes simples e, por meio deles, é possível criar o que Adriano Vilhena, chef e coordenador da Faculdade de Gastronomia do Senac em BH, chama de “curry mineiro”.
“Nós estimulamos os nossos alunos a entenderem as diretrizes técnicas da produção, a criar e a buscar outros caminhos e a contestar o que estão fazendo. Queremos que eles entendam as formas de produção de sabor na cozinha, para uma real construção de conhecimento. Já pensou em pegar o quiabo ou o chuchu do quintal e criar temperos com eles? Talvez muitas pessoas não saibam que é possível e o resultado vale muito a pena”, diz.
Ainda de acordo com Vilhena a culinária mineira tem seguido a tendência de valorização de temperos regionais. “Em Minas temos o hábito de utilizar em nosso dia a dia somente temperos tradicionais como alho, cebola, folha de louro e alecrim, mas é possível criar. De 15 anos para cá tem acontecido um movimento mundial de valorização regional e aqui em Minas Gerais temos uma variedade de produtos. Com isso, tem surgido novidades, as plantas alimentícias não convencionais são um exemplo, há quem desconheça o seu valor, mas elas têm muito potencial e podem ser utilizadas na produção de temperos”, afirma.
Valorização
Atualmente o que tem sido constatado é que não é preciso ir muito longe para encontrar um ingrediente, o que se encontra no quintal de casa, muitas vezes, pode ser o que faltava para uma receita. “O que temos visto como tendência é que temos nos deparado com uma cozinha mais leve, mais regional, entendendo a importância da valorização do local, do pequeno produtor. Quer coisa mais mineira do que retirar do próprio quintal o ingrediente para a produção de um tempero? Nossa cozinha é extremamente poderosa e criativa. Não à toa Belo Horizonte recebeu o título de Cidade Criativa da Gastronomia pela Unesco. Além do acolhimento que é peça chave da nossa cultura alimentar, precisamos entender que temos potencial para ser a França dos nossos tempos, para ditar a história e mostrar um tempero que só tem aqui e que é só nosso, mostrar a potência que o mundo inteiro já respeita”, afirma.
Por meio dos temperos é possível apresentar características regionais importantes, eles são a materialização da discussão de que é possível produzir algo importante valorizando o que se tem regionalmente. “Para produzir temperos em casa é possível utilizar uma série de ingredientes e que são fáceis de encontrar, como o quiabo, milho, jabuticaba, acerola, mandioca, jiló, pimentão, pequi, maxixe, chuchu, banana, ora-pro-nóbis, maria gondó, beldroega, serralha (as chamadas plantas alimentícias não convencionais). É uma forma de explorar o que temos em Minas e criar temperos que tenham nossas características”, comenta o especialista.
A cozinha, em sua essência é muito poderosa, estamos em contato com alimentos todo o dia, e várias vezes ao longo do dia. A cozinha mineira tem o potencial de acolher por meio de uma garfada. “A relação de quem cozinha com quem come é uma longa conversa sem o uso de uma palavra sequer. Nossa cozinha é extremamente marcante, constrói laços afetivos e, ao mesmo tempo é muito acolhedora, ou seja, são características que podem mudar as relações das pessoas com o meio em que ela vive”, finaliza.
Celebração
Celebrado em 5 de julho, o Dia da Gastronomia Mineira surgiu em homenagem ao nascimento do escritor Eduardo Frieiro, autor de “Feijão, Angu e Couve – ensaio sobre a comida dos mineiros”. Para comemorar a data, o Senac realizará uma live com o tema “Os Sabores da gastronomia mineira: tempere sua carreira com possibilidades”.
“A ideia é realizar um bate-papo descontraído sobre nossa cultura mineira, dizer das possibilidades que temos, falar também dos nossos temperos e pratos emblemáticos, como o fígado com o jiló, a moela. Queremos enaltecer a nossa cozinha mineira”, explica Adriano Vilhena, que conduzirá a live juntamente com Marcus Vinícius Monteiro, também professor da Faculdade de Gastronomia do Senac. A live gratuita será transmitida pelo Instagram do Senac, às 15h. Haverá tradução simultânea em Libras.