Vereadores, OAB e Coletivo cobram que ambulatório trans de Poços seja formalizado

Poços de Caldas, MG – Uma grande conquista obtida recentemente na cidade foi a instituição, com início de trabalhos, do Centro de Referência em Cuidados Transespecíficos, também conhecido como Ambulatório Trans. O local é responsável pelo acolhimento, direto ou por indicação da rede de saúde, à comunidade trans. Mas a indefinição quanto à formalização efetiva do ambulatório preocupa parlamentares, a subseção de Poços de Caldas da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), o Coletivo TranspareSer, cujos membros são atendidos pelo órgão, e o médico que está à frente do equipamento. A principal preocupação é a não inserção do ambulatório no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), o que prejudica, sobremaneira, entre outras coisas, os pacientes atendidos que já estão, ou pretendem entrar, na lista de espera por cirurgias específicas e de redesignação sexual através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Na última sessão ordinária do Legislativo o tema foi abordado em um requerimento assinado pelos vereadores Luzia Teixeira Martins (PDT) e Douglas Eduardo de Souza (DEM). No documento encaminhado ao Executivo, é citado que “o Ambulatório Trans promove cuidados especializados, como hormonização, psicoterapia e a capacitação dos diversos setores parceiros da rede. Tais serviços garantem os direitos da população trans que, em outrora, foram negligenciados”. Diante disso, os vereadores questionam qual o status do ambulatório trans no município, se há previsão para que ele seja formalizado e reconhecido como equipamento público e ainda que sejam informados quais profissionais atuam como coordenador, psicólogo, assistente social, médico, educador físico, enfermeiro, nutricionista e estagiário de psicologia no local.
A vereadora Luzia Martins, ouvida pela reportagem, ressaltou ter acompanhado toda a luta do psicólogo e psicanalista Celso Patelli, grande entusiasta dos direitos das pessoas trans e peça fundamental para a criação ambulatório em Poços. “Na ocasião em que Secretaria de Saúde aceitou a implantação do ambulatório trans ficamos muito feliz com isso e por ele pela conquista. Já com o recente falecimento do Celso houve questões que ficaram pendentes. Este ambulatório já está instituído, continua funcionando e, em uma visita recente que lá fizemos, eu e o vereador Dofu, apuramos que a equipe ainda está sendo montada. Temos uma população trans grande na cidade e que precisa deste trabalho. Desta forma encaminhamos o requerimento com pedidos de informações e aguardamos agora respostas para nossos questionamentos”, declarou a parlamentar.

Medidas urgentes
O advogado Cristiano de Mello Ribeiro, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero, da subseção da OAB Poços de Caldas, ressaltou a importância do Centro de Referência em Cuidados Transespecíficos na cidade, que, segundo ele, visa garantir que direitos básicos inerentes ao ser humano sejam também observados no grupo, que historicamente tem suas garantias esquecidas e suprimidas. “Neste sentido, a Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB realizou uma visita técnica ao local, bem como entrevistas aos funcionários, oportunidade em que se pode observar pontos urgentes de atenção. Foi apurado que o ambulatório não tem o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde ou sequer consta de maneira formalizada, seja por nota técnica ou outro mecanismo, nos quadros de serviços da Secretaria Municipal de Saúde”, informou.
De acordo com Ribeiro, o fato inviabiliza o registro adequado de produtividade (número de atendimentos, tipo de atendimentos, quais os serviços prestados, como o usuário acessa o serviço de saúde, entre outros), além de dificultar o dimensionamento do público atendido pelo serviço no município.
“Além da dificuldade elencada internamente, por aqueles que trabalham junto ao ambulatório, há que se falar nos prejuízos efetivos para o público-alvo, que é destacado na portaria nº 2.803, de 2013, onde constam diretrizes para o atendimento, bem como regramentos para todo o procedimento necessário específico ao paciente. Diante dos problemas potencializados pela falta de formalização surgem questionamentos, tanto por parte da equipe técnica responsável, como pela sociedade, que anseia pelo devido tratamento à comunidade”, concluiu o advogado.
O médico de Família e Comunidade, responsável pelo ambulatório, Euclides Colaço, esclareceu que o Centro de Referência em Cuidados Transespecíficos está estruturado enquanto serviço de saúde e atua dentro do fluxograma de serviços prestados pelo município, mas é fundamental que ele seja inserido de maneira adequada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). “Há uma normativa que determina o funcionamento dos serviços ambulatoriais de cuidado trans específicos e ela tem algumas diretrizes, inclusive, com os códigos associados aos atendimentos, que são os códigos de procedimento. Hoje, o município consegue, estatisticamente e epidemiologicamente, mostrar que o ambulatório presta atendimento e serviços, mas necessitamos do CNES para que possamos ser vinculados à atenção básica ou específica”, esclareceu.
O ambulatório, segundo o médico, desde o início do ano já presta atendimento a cerca de cinquenta usuários e há uma lista de espera. “Este público, para que possa pleitear alguns cuidados, como, por exemplo, os procedimentos de cirurgia de redesignação sexual, precisa que o serviço seja cadastrado de maneira formal. Só assim é possível contabilizar o tempo de atendimento ambulatorial do indivíduo em uma fila de espera do SUS para cirurgias específicas ou solicitação necessária para Tratamento Fora de Domicílio [TFD]. Sem contar que isso permite uma designação adequada de profissionais para o serviço específico que deve ser prestado ao nosso público-alvo”.

Incerteza
O Coletivo TranspareSer, que conta hoje com cerca de 80 integrantes só em Poços de Caldas, se mostra apreensivo com a questão da falta de formalização do ambulatório trans. “Desde que o TranspareSer foi criado, há cerca de sete anos, buscamos em conjunto com o Celso Patelli, entre outras metas, conseguir um projeto como o ambulatório, garantindo o mínimo de moralidade e dignidade para aqueles que mais precisam e que, muitas vezes, não recorrem à ajuda do Estado por saberem que não serão atendidos e por constrangimento perpetuado pela sociedade”, disse a integrante Isabel Carneiro Vasques. “Hoje temos atendimento médico, psicológico, exames voltados ao tratamento hormonal feitos através da rede pública, mas necessitamos do devido credenciamento no CNES para que, assim como ocorre em outros ambulatórios trans brasileiros, possamos pleitear cirurgias, fornecimentos de medicamentos e tratamentos específicos em algumas áreas”.
Segundo Isabel, alguns integrantes do Coletivo já esperam há cerca de 15 anos por cirurgia em filas do SUS através do Estado de São Paulo. “Apenas um dos nossos membros conseguiu passar pelo procedimento cirúrgico depois de mais de 10 anos em tratamento em Goiás. Uma vez com o ambulatório funcionando em Poços esta formalização se faz necessária para ontem”, finalizou.

ADRIANA RODRIGUES
adriana.mantiqueira@gmail.com

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